22 de mar. de 2010
19 de mar. de 2010
este foi um mail recebido há alguns anos atrás por dois poetas que vendem seus livretos pelas ruas:
desejo de poesia, um bom começo, mas já deixei o começo passar... seria cordial me apresentar? seria possível me apresentar? um nome e um número na carteira de identidade não seriam apresentação suficiente, acho. o que falamos quando ainda não falamos nada? o que falamos quando já estamos falando demais, mas não dissemos nada ainda? talvez, se o meu nome fosse Julia Achobonitoconhecerpessoasnaruaenãopeloorkut Bessler, uma apresentação se tornasse mais plausível. mas não. apenas Julia Bessler, e a lacuna entre nome e sobrenome ainda não virou palavras.
no dia em que conheci dois estranhos - mas não os conheci e eles continuaram sendo então estranhos - falei de poesia. no mesmo dia fui num sarau onde haviam muitos poetas mas poesia nenhuma. engraçado pensar que tanta gente escreve hoje em dia mas ninguém tem nada pra dizer. então eu voltei pra casa lendo dois zines de dois desconhecidos que eu havia conhecido mas não conhecia ainda. e ali eu os conheci. um pouco, talvez. e pensei que havia muito mais naqueles versos do que nos recém-recitados. havia muito mais naqueles versos contidos nas folhas, contidos nas encadernações, contidos nas mãos, contidos no corpo, contidos no carro, contidos na rua, porque aqueles versos compreendiam:as folhas, as mãos, o corpo, o carro, a rua.
então o tempotempotempotempotempotempotempo (é, foi bastante tempo) que passou e uma noite de insônia me fizeram parar e escrever um email. um email que é uma carta, um encontro, um desencontro, uma apresentação e uma imaginação. um email que é uma tentativa de passar menos (como passam as pessoas e os dias e os tempos) - e restar mais.
grande abraço,
Julia esperandorestarmais Bessler."
bacana, bacana...
no horizonte a neblina
vem pra cobrir a expansão
de um olhar,
livre na manhã;
a mente guarda imagens
deslocadas do mundo
(antes apenas real)
e um vento só aparenta
trazer mais frio,
esgotado seu poder
de persuasão.
o abismo tem fundo,
pode ser n'outra rua,
onde os passantes
viajam...
eis que chega o tal sol
(madrugadamente esperado),
e o caminho que seca
(aguardando os tais passos
monitorados pela vida)
fica cada vez mais estável.
E foi de encontrar “poetas”
E de com eles compartilhar sonhos
E de escutar tanto sobre o “dinheiro”
Sobre o “trocado”
E sobre o “status”
E sobre o “melhor espaço”
(Onde se “consome” mais poesia)
E foi também de ver
O “talento” e os “sorrisos”
E a “performance”
E os pedidos cegos de paz
Na orla
E as “apresentações”
Dos “novos artistas”
(Falando sua linguagem de grego
Pra um mundo de brasileiros)
Que homendigo tomou a decisão
De escapulir do caos
Antes de ser engolido.
Antes que seu ideal se perdesse
No turbilhão de palavras
E de bláblábláblábláblás,
Antes que lhe empurrassem
O terno e a maldita da gravata.
Antes que começassem a falar de conferências
E coisas assim.
Antes que os jornais e a tv
Completassem o seu ciclo de imbecilização.
um adeus pro charles darwin
e um atrasado pra ninica
Morreu o cara que dizia gostar de Robert Plant
Apesar de ter sido chamado por ele de cucaracha...
Morreu com sua formação em inglês,
Com seu curso na Escola de Minas,
Com seu pedido insistente de cigarros.
Cheio de porradas na cara...
Morreu no canto onde sempre estava
Com seus velhos e acabados parceiros de cachaça.
Morreu e isso já era esperado há tempos.
Foi fazer companhia pra flautista das ruas,
Que levou pra outra dimensão
Uma boneca sorridente.
Aqui em Ouro Preto é assim,
Os loucos de verdade são nosso amigos
E quando se vão sentimos falta deles...
Conseguir convencer o louco
De que sua loucura é doença
Faz parte do grande sonho
Dos que alimentam toda a desavença
Que escorre sem parar
Pelas ruas e avenidas
Da cidade onde calar
Faz parte da música das vidas
Urbanas e encostadas
Em suas paredes descascadas
Pelo tempo implacável,
Enriquecedor de bolsos,
Que de tão cheios
Não mais comportam saídas.
MAPAS INÚTEIS
Dois pequenos destroços vulneráveis
Derivados da grande explosão,
Diga a todos que não são sombras
Nem restos de ilusão,
Pois sangram cada vez mais
Enquanto são alimentados pela tristeza
Numa aglutinação com a desesperança
Plantada num solo neutro.
A paz está onde ainda não procuramos.
Os mapas, além de não informarem nada,
Castram
E desanimam...
Trazem mentira para que a solução não funcione,
Para que as coisas não mudem
E para que o sorriso deixe de ser
A válvula de escape das nossas inquietações.
O sol que se mostra.
O avesso indiscutível
Da pasma idéia
Sobre a qual se pisam
Incessantes vezes.
Todos os altos e baixos
Encurtam estéreis náuseas,
Envolvendo a secreta idéia
Sobre a qual repousam
Resistentes os salvadores.
Qualquer herói
Agoniza no peito cansado,
E o agora ( servo do amanhã )
Transgride as regras básicas da exatidão.
Memória Mergulhada no obscuro,
A nova trajetória
Através da aura
De uma nova história.
Homendigo, o réptil carnavalesco que tirou Jesus da cruz e o levou para jogar uma sinuca, observava as estruturas sobre rodas que desfilavam coloridas nos cruzamentos entre gramíneas, seres humanos e concreto, estruturas estas abundantes em sua inutilidade facilmente verificada nas inúmeras estatísticas de doenças relacionadas direta ou indiretamente ao seu uso, aumentado gradativamente e não mais relacionado com o tempo ( já que o tempo era derrotado pela tecnologia ).
O que havia de mistério em Homendigo saltou diante dos meus olhos naquele instante de curva, e pensar que eu poderia ter dado mais atenção à imperícia do motorista do coletivo me fez ficar ainda mais contente, o que trouxe à tona o desejo não mais inconsciente de ser apenas um imaginador de mundos, sem ter de estar agarrado a eles de qualquer forma que seja, mesmo com o organismo reagindo contra e transformando a audácia num ato clandestino.
Homendigo não tinha pensamentos “comuns”. Seus devaneios criaram um universo à parte, e ele, desencorajado desse ideal de adentrar outros mundos, resolveu dar um basta em sua condição de submisso às relações falidas, que frente a frente mascaravam e costa a costa apodreciam, nuas e cruas como anormalidades infrutíferas, mas procuradas, degustadas, abençoadas e viciadas em hipocrisias das mais variadas, sem remédio, sem cura...
Homendigo não conhecia nem mesmo a saída para os seus problemas... Muitas vezes havia tentado se organizar, mas o umbigo de cada um dos componentes era sempre mais profundo, mais cheio de argumentações e justificativas. Falavam a mesma língua, mas os dialetos complicavam, pois para cada um tudo rodava ao seu redor, cada um vinha de um lugar diferente, e mesmo sem saber da origem do outro, falavam e falavam pelos cantos cada vez mais.
Pode ser que no lugar de Homendigo um outro barbudo venha a sentar algum dia, apenas para pensar, tendo um tempo para recompor no campo das idéias, e logo depois, no campo material, uma ordem não mais usada, ou para criar uma nova, onde o tempo não passe tão depressa e não precisemos nos transformar em robôs, simples reprodutores de algo convencionado pela meia dúzia de gatos pingados que vem nos dominando através das leis que só a eles trazem algum benefício.
(Homendigo I - 08/2002)
aline
foi antes da quinta hora do dia,
quando a madrugada da lua melancia
(mordida por não se sabe
quantos artistas)
ainda não havia dado lugar
à manhã de sol que o céu prometia
e a troca entre os astros
(já quase completa)
servia apenas como fantasia,
que aqueles fantásticos lábios
percorreram a estrada pulsante
do meu instinto de paixão iniciante
que há muito não repartia,
perdido como estava num celeiro
onde eu era a agulha
e o mundo
o feno que me engolia
ergue no vazio seu poema arrastado
e seu ritmo perdido entre as quatro paredes...
supõe ser ele algum centro de mundo
e a cabeça se despe da sensível euforia
(uma notória conversão ao suplício).
isso é o tudo, este é o seu tudo,
o instante que jamais se acaba
sendo homendigo matéria ou não.
minutos atrás a contemplação,
as ruas enfurnadas de sons e imagens
e moléculas vibrando
numa tensão não mais sua.
o mundo inteiro por cima de esgotos,
caminhando por sobre jardins suspensos.
homendigo vai plantando,
logo depois vai colhendo,
suprindo suas carências
com muita consciência;
testa com erros e acertos
e aprendendo com os dois
caminha rente ao comum,
escolhendo sempre outra bifurcação;
segue homendigo
um caminho diferente,
um caminho já descrito
e que muito o deixa contente
e agora as rimas
simplificadas pelo acaso
flutuam por sobre seus dedos
e se colam ao papel sem enredos.
quase tudo se repete
da mesma forma irracional:
o não-querer a violência
gerando a violência
e o poder emanado da dúzia
que com astúcia
asfixia.
de nada resta sonhar com fragmentos,
estufar o peito em resposta
ao alimento que se prepara
com os excrementos
disfarçados
de bosta.
em raros cortes a miséria
confunde as foices noctívagas,
suportando as faces lúcidas
das estrelas superadas
por surpresas solfejadas.
Percorreu em poucos segundos
Homendigo se explica
"meu trabalho não é feito pro técnico
Eu acredito no amor
desde sempre tentam desumanizar,
desde sempre
(ou ao menos desde a minha existência e a tua).
durante tempos e tempos enxerguei nada,
achando tudo ver.
desde sempre tentam automatizar,
desde sempre
(será assim pela existência
dos nossos filhos).
durante tempos e instantes
falei muito,
e nada disse.
chega agora o tempo da ação
sem medos,
da ação eficaz.
e eu com prazer
vou voltando a acreditar
no amor
e no amar.
Homendigo e a Barata:
Ela veio pela janela. Ninguém viu, ouviu ou sentiu seu aroma de lixo nas proximidades de seus respectivos lugares de estagnação. A surpresa saltou no momento em que o organismo pediu a dose (o já tão acostumado organismo) e foi respondido com clamor. Ela havia saciado sua fome de porcarias devorando os meus cigarros e ainda deu um passeio ao redor da minha mão direita, que, instantaneamente, balançou-se no ar, lançando a voadora ao chão.
Ela veio pela obra inacabada do meu vizinho. Precisei matá-la com uma chinelada certeira. Voando ela é ágil, mas quando pousa... Foi fácil, fácil... Espero que os senhores entendam a minha situação. Ela me privou de um remédio eficaz, minha fúria triplicou e o resto os senhores já sabem. Ou não sabem? Posso começar a contar tudo outra vez, caso prefiram. Só quero dar logo um basta nesta situação incômoda na qual me encontro agora."
Homendigo,
cada vez mais chateado,
sussurra no ouvido esquerdo
da sua imagem no espelho:
"usam poemas dos outros em vão.
Gente Boa da Poesia
Ramon Aguirre
Homendigo desabafa
ao poeta perdido:
eles querem te humilhar
te expulsar sem direitos
da sociedade do comércio
onde são vendidos livros de poesia
onde são vendidos planos de saúde
onde são vendidos alimentos
onde são vendidos o pão e a água
cada vez mais caros
cada vez mais raros
eles querem que vc desista
querem te ver mendigando
querem a tua derrota
por uma vitória intelectual
mesquinha
querem a confirmação
de que o mundo
é da forma como imaginam
da forma como o apresentam
em suas teses furadas
eles querem o teu cadáver
no jornal nacional
"um mau exemplo
este merda maluco
que diz ser poeta"
querem tua vida estraçalhada
teus restos emparedados
como exemplo racional
daquilo que não se deve seguir
do resto do nada
K.Ô. DAS EDITORAS
Dizem que é para democratizar a leitura
Dizem que é para incentivar a leitura
Dizem que é para enriquecer essa gente
Que vai para a exposição toda crente
Na grande chance de encontrar um global
E "pagar de entrada só dez real".
Um cálculo rápido (nem tão rápido)
vem à cabeça de Homendigo:
Um pai de família com sua esposa
E mais três crias em idade escolar
Resolveu curtir a bienal do rio
(Porque teve a cabeça socada de propaganda
Na hora da janta,
Na hora da novela);
Entrou em dois ônibus diferentes
Na ida
E na volta.
A R$2,00 a passagem,
Temos que nosso amigo gastou R$20,00
Só com a ida...
Na hora da bilheteria,
Mais sangria:
R$20,00 seus e da esposa +
R$15,00 dos três rebentos =
R$35,00 + os R$20,00 acima citados +
R$20,00 da passagem de volta (já separado
e devidamente contabilizado mentalmente)
R$75,00!!!
Bem, nosso amigo quis passear tranquilo...
Levou apenas a carteira
E a vontade de curtir a família.
A viagem até o riocentro foi longa
E todos com sede e com fome
Beberam água a três reais
E comeram sanduíches a sete reais
E ele fechou em cento e trinta e dois reais
Seu prejuízo (e na tv tudo parecia
tão diferente.........................).
Mas eles estavam na bienal.
E os livros?
Nosso amigo levou as mãos à testa,
Respirou fundo,
Abriu a carteira
E contou o que sobrara para os benditos;
oito reais.
Durante as duas horas nas quais percorreram
os corredores iluminados e cheios de artistas
ele não conseguiu descobrir como gastar
aquela fortuna.
Na saída, de cabeça baixa, foi abordado
por um poeta que não conseguiu se explicar
porque foi truculentamente impedido
por um segurança da empresa privada
que cuida dos corredores do riocentro
com suas câmeras de "grande irmão",
que tão na merda quanto o poeta
defende o engravatadinho que tem medo
de perder seu já pouco lucro.
Com seus oito reais o amigo comprou
quatro livretos de poemas e presenteou
sua prole e sua esposa.
E o poeta?
Foi expulso.
"se tentar vender aqui,
tomaremos providências.................",
disse o "chefe da segurança",
antes de encaminhá-lo à rua.
Legal foi a solidariedade
demonstrada pelo pipoqueiro:
"é culpa da blogo!"
E o nosso amigo?
Foi pra casa com a certeza
de que esta foi sua primeira
e última bienal
(do que quer que seja):
"Agora só compro livro independente!",
foi o que ouviram de seus resmungos
no coletivo pra Cascadura.
ObservAções:
éimpressionanteafaltadecaráterdecertosempresários
donosdeprestadorasdeserviçosessenciaisqueapesar
dosabonosnosimpostosnãoconseguemcumprirdefor
madecenteoseupapelsocial...agoraelesconseguiram
colocarpovocontrapovo.idososegestantesviajamem
pénoscoletivos,quandoconseguemembarcaremalgum
poraquiporestesbairrosdazonaN.orwellestásempre
pelasesquinasaobservarsuastesesejádisse(obviamen
teapósalgunsestimulantes)quenãosemudadaquiporna
danestemundo.babatodavezquesorrieficarepetindo:
Homendigo:
um dia de fúria tranquila
.........., .............., .............,
farinha...
filhos intensos
do esperma capital,
programados
para serem apenas
mais uns normais...
e homendigo
(que sente sabor e aroma
e vê vultos e toca a matéria
da desarmonia)
tenta aos berros escavar a arritmia,
pela via
da liberta poesia.
Homendigo resmunga:
"apenas mais um conservador..."
é este o cara que ajuda a manter esta merda:
o cara do canivete, o da cara lavada,
o da fuga desencantada...
... o obscuro
que de sorriso na cara
profere as asneiras
mostra suas olheiras
e aguarda os aplausos
da multidão do intelecto,
dos "fala-fala mas não age",
dos que usam e abusam
das conclusões roubadas dos livros.
é este o cara que ajuda a manter esta merda:
lê, lê, lê, lê, pensa entender,
paralisa, estaciona suas ações
e mergulha na retórica.